Uma Mãe
A minha mãe lia muito, mas apenas para se evadir. Já lhe custava caminhar, tinha o passo pesado e as costas curvadas. Descer as escadas do prédio, para ela, era pior do que descer uma ladeira. Fazia anos que não saia de casa. Por isso, pegava num livro, — a nossa biblioteca era muito grande, todos os dias podia pegar num livro novo, — e arrastava-se para o cadeirão que eu aproximava o mais possível da janela aberta. A minha mãe ficava ali, a viajar com as palavras e respirar o ar da rua.
A certas horas do dia, punha-lhe a capeline, porque o sol teimava entrar-nos pela casa adentro e a pele dela era muito frágil. Ela ria-se. Dizia que se Maomé não ia até à montanha, a montanha ia até Maomé, e assim fazia o sol, a passear-se dentro de nossa casa, girando à volta da minha mãe, do seu cadeirão e do seu livro.