Humpty Dumpty
— Estou a falar de si, — disse o médico. — Você partiu-se em pedaços e agora não há meio de voltar atrás.
— Em pedaços, eu? — questionei atónito.
— Sim, você, homem! Não vê?
E foi nesse momento que baixei o olhar pela primeira vez. Esperava ver o meu corpo estendido naquela maca de hospital, mas encontrei apenas o meu tronco ao qual a cabeça ainda estava presa. Os braços e as pernas pareciam ter-se quebrado como peças de porcelana. Não tinha cotos, tinha cacos. Não havia sangue, apenas estilhaços. O que restava dos meus braços repousava à direita e esquerda do meu tronco, peças pequenas desarticuladas, como um puzzle à mercê de mãos alheias, aguardando ser remontado. As pernas estavam no mesmo desalinho, estilhaços a perder de vista, até ao fundo da cama.
Tentei mexer os dedos das mãos e dos pés. Os estilhaços saltitaram em cima do lençol, alguns caíram cama abaixo.
— Tenha cuidado, homem. — Acautelou o médico, abaixando-se para apanhar os pedaços caídos e os repousar de novo em cima do lençol. — Qualquer movimento brusco é altamente desaconselhado.
— E agora, como é que eu faço? — perguntei aflito. Nunca tinha conhecido ninguém em tamanho embaraço. — Como é que eu saio daqui?
O médico suspirou, coçou a cabeça e baixou os óculos.
— Agora, das duas, uma: ou o enrolamos todo com fita cola agora, ou, depois de lhe dar alta, enfio-o a si e aos seus pedaços dentro de um carrinho de mão. Como pode imaginar, não podemos deixar nenhum caco para trás, pode ser desagradável para si e para quem o encontrar.
— Vou sair daqui num carrinho de mão? — Gritei em sobressalto.
— Sim, há quem prefira colar-se em casa, com mais tempo e cuidado. Pode até explorar novas identidades, compondo-se de forma mais artística. Pode experimentar ter os pés nas mãos, as mãos na testa, o cotovelo no joelho… A sua criatividade é o limite. Aproveite este imprevisto para se divertir.
De olhos arregalados e afogando-me em ansiedade, não compreendi se o médico fazia pouco do meu estado precário ou se verdadeiramente me dava conselhos pertinentes. Fechei os olhos. O arrependimento fez-me jurar: não mais me tornaria a aventurar nos cumes de muros alheios.