Uma Irmã

Martina e eu tínhamos oito anos quando, um dia, a minha irmã desapareceu. Foi um ar que se lhe deu. Era dia ventoso. Os mais velhos tinham-nos dito para brincarmos dentro de casa. Que na rua era perigoso. Que voavam folhas, bichos, caixotes do lixo. E, olha, voou a minha irmã também.

Vi-lhe o vestido cor-de-rosa encher-se, qual balão, e lá foi ela. Não gritou, só gargalhou. Subiu pelos ares a dançar. Martina e eu ficámos pasmadas a olhar. Olhos e bocas escancaradas. Nunca tínhamos visto uma criança voar. Na verdade, parecia que ia a bailar. Ela, e as folhas, e os bichos, e os caixotes do lixo. Todos numa coreografia harmoniosa pelos ares acima. Martina e eu ainda a tentámos alcançar, mas os nossos braços pequeninos tinham pouco ângulo e a minha irmã já ia alto. Era boa de perna, ou boa de asa, nunca percebi bem qual (nem haverei de perceber). Foi assim, um ar que se lhe deu.

Martina e eu tínhamos oito anos, a minha irmã cinco, e nunca mais apareceu. 

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