Uma Avó
— Velhos são os trapos! — dizia minha avó, quando se sentava enrugada no canto do sofá que era o seu lugar cativo. Já se mexia pouco, mas continuava a falar muito. Vestia-se de cores fortes e motivos vivos. Gostava que a vissem.
— Quem morreu foi o teu avô, — continuava, — eu ainda cá estou.
E depois abanava cabeça sem que o cabelo se mexesse, capacete sólido de laca, coroa da sua feminidade estoica.
Dela emanava o cheiro a perfume de outros tempos. Quando se mexia, ouvia-se o som dos pechisbeques que teimava em trazer pendurados ao pescoço, às orelhas, aos pulsos, e até enfiados dedos nodosos abaixo. Maquilhava-se como já ninguém se maquilha e sorria com dentes alinhados cor de pérola que já não eram dela. Nos pés, saltos altos, curvando-se sem se queixar, porque sempre dá sempre uma melhor postura, um melhor ar.
— Fico mais composta assim, ou tu não vês?
A minha avó nunca foi velha: imortalizou-se. O tempo parou de lhe passar pelo espírito, apesar de continuar a passar-lhe pelo corpo.