Outra Avó

— Há coisas que é melhor serem enterradas com os mortos, mas não estou a falar de bugigangas, nem de amuletos. Não... Não estou a falar de nada material. É o que não se vê, e sobretudo o que não se diz, que deve ser enterrado com o corpo, por baixo dos palmos de terra que lhe são devidos. Nada de bom vem de segredos tão antigos quanto os nossos ossos! É deixá-los morrer conosco. É levá-los para a cova.

Dito isto, suspirou e fechou os olhos pesados, parecendo dormir. É difícil compreender se, alguém daquela idade, adormece, ou simplesmente escolhe dar um fim à conversa (porque tantas memórias pesam, cansam, castigam, e mais vale não mexer nelas).

Os olhos da neta não se fecharam. Pelo contrário: arregalaram-se. Nunca tinha ouvido a avó dizer coisa semelhante. Não lhe reconhecia tamanha amargura. De que segredos falava? O que tanto estava determinada a esconder dentro de si? Talvez, afinal, a neta não soubesse quem era a mulher enrugada que morria aos poucos naquela cama articulada. O fim aproximava-se, e cada conversa parecia desconstruir a personagem que lhe fora outrora tão familiar. Crescia a distância entre a neta e a mulher de cabelos brancos encaracolados que a ia buscar à escola, chegando bem antes da campainha tocar; que lhe dava a comer pão barrado com pasta de avelã e chocolate todas as tardes, contra a vontade dos pais; que sorria disfarçadamente quando lhe entalava uma moeda nos dedos, dizendo que era para comprar um geladinho. 

A neta entristeceu. Talvez nunca a fosse conhecer verdadeiramente.

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