Um Avô
O avô era de rotinas, fazia tudo com a serenidade de quem sabe o que a hora seguinte lhe trará. Acordava sempre à mesma hora, fazia a higiene, fazia a barba, fazia a cama. Vestia uma camisa engomada e alinhava os ralos cabelos rebeldes com o pente que guardava depois no bolso traseiro das calças, para mais tarde voltar a alinhar.
Saía de casa, ia à pastelaria, dizia sempre os mesmos bons-dias e tomava sempre o mesmo pequeno-almoço. Demorava-se no jardim da igreja. Jogava xadrez, damas, gamão, bisca, mas poker não, que a reforma era pouca e a pensão era nula. Almoçava o menu do dia na tasca e passava a tarde na esplanada. Tecia tertúlias, mais futebolísticas do que políticas, e regularmente meteorológicas. Fazia futurologia, protestando que o Mundo ia de mal a pior, e perdia-se na nostalgia, relembrando outros tempos.
Por fim, à noitinha, regressava à casa. Comia a sopa feita pela mulher-a-dias que quase nunca cruzava. Vestia o pijama, rezava dois Pais Nossos e cinco Avés Marias. Beijava a fotografia da avó, confessava o quanto sentia saudades dela, e adormecia a querer que toda aquela serenidade chegasse ao fim.