Minha Liberdade
Acendi mais um cigarro e deixei que a linha de fumo se elevasse acima das minhas ideias. Esfreguei olhos e testa, como se a cinza me benzesse e a brasa me iluminasse.
Doía-me a cabeça e pesava-me o peito. Não quis contar há quanto tempo estava sentada na mesma posição. As beatas que transbordavam do cinzeiro diziam-me que deveria estar a dormir há muito. Era o meu último cigarro daquele maço. Era a minha última investida contra aquela maldita máquina de escrever que teimava em refrear a minha catarse. Tinha tanto por dizer e, ainda assim, os dedos repousavam inertes sobre as teclas. Queria libertar-me daquilo que me desgastava a alma — a mim e a tantos outros —, vingar-me com palavras daquilo que me prendia braços, pernas e convicções, mas tinha medo. Tinha medo de ser perseguida por quem queria silenciar a verdade que eu me sentia impelida a apregoar. Era como se estivesse acocorada no inverno da complacência, segurando com as mãos a luz do último fósforo que me permitia continuar a sonhar.
Esmaguei a derradeira beata sobre os despojos das anteriores. A iminência do silêncio derradeiro deu-me novo alento. Deixei escorrer a determinação pelos dedos e vi-a imprimir-se nas páginas que se iam esgotando. Tresloucada, soltei uma gargalhada quando terminei. A cabeça e o peito estavam mais leves — tinha as minhas asas de volta. Quis celebrar com outro cigarro, mas o maço jazia esgotado a meu lado. Suspirei. Não quis contar, desta vez, quanto tempo teria até que me roubassem aquele manifesto e o esventrassem.
Ouvi murros na porta. Assim, tal como o maço e as páginas, também o tempo se havia esgotado. Eles entraram arrombando a minha liberdade e eu nada pude contra os seus podres ideais. Calaram-me e arrastaram-me.
«Que, pelo menos, me ofereçam um último cigarro.»