A Cicatriz

Demorei algum tempo a escrever sobre este livro da Maria Francisca Gama. Não por ser difícil de digerir, porque não achei que o fosse, mas porque tive dificuldade em formular a minha opinião. É um livro curto, intenso e, quando chegamos ao final, somos confrontados com um vazio estranho. 

A premissa da autora é interessante: «O que aconteceria se, numa qualquer rua, de uma qualquer cidade, em vez de virarmos à direita, virássemos à esquerda? Qual seria a consequência? Poderia a nossa vida mudar tão completamente que nos tornássemos pessoas diferentes daquilo que hoje somos?». A Maria Francisca explora isto muito bem. Mostra-nos o quanto uma decisão aparentemente tão leviana pode afetar alguém, não só a nível íntimo e pessoal, mas também como pode transfigurar a forma como essa pessoa encara o mundo e se relaciona com quem está à sua volta.

Talvez por ter lido um outro livro da Maria Francisca, «A Profeta», não me surpreendi com a frontalidade das descrições e a brutalidade de algumas partes da narrativa. Sem querer estragar a surpresa de quem ainda não leu, senti que, talvez, alguns eventos tivessem sido exagerados para impressionar o leitor.

Gostei muito da premissa deste livro, mas fiquei um pouco desiludida com a concretização da narrativa. É fácil adivinhar o final depois de ler as primeiras páginas e, por isso, senti que estava a ler algo para o qual o final já havia sido sentenciado. Prefiro quando encontro mais ambiguidade durante o percurso da leitura. Da forma como está escrito, e já a antever o destino das personagens, não me surpreendi, nem me emocionei, apenas pensei que não teria sido necessário ir tão longe — roçar a inverossimilhança — para concretizar a ideia. 

Não obstante, penso que premissa merece ser explorada e que o evento fatídico é algo sobre o qual é necessário escrever, principalmente nos tempos de hoje — os meus parabéns à Maria Francisca por ter tido coragem de o fazer. Ainda assim, não consegui evitar pensar que não seria dessa forma que duas pessoas reagiriam a longo prazo. Também retiraria as notas iniciais e finais da autora, não penso que tivesse sido necessário justificar o que escreveu.

Em conclusão, não será, certamente, o último livro que lerei da Maria Francisca Gama e aconselho-o a quem gosta de histórias curtas e cruas.

★★★

E vocês, já leram «A Cicatriz»? Digam-me o que acharam nos comentários.

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